Vemos as pessoas andar para cima e para baixo pela rua fora, apressadas.
Vão com palas nos olhos, como cavalos puxando carruagens, ausentes do momento presente. Não páram para ver o que as rodeia, nem mesmo para repararem umas nas outras, como vão tão absortas nos seus objectivos.
Objectivos, as obrigações.
Vejo a Praça dos Restauradores numa manhã de um dia qualquer da semana. Toda a gente tem algum sítio onde estar; no trabalho, na escola, no metro, dentro do autocarro, a tomar um café, causa-efeito e consequência. E, ao fim de semana, a obrigação de sair de casa, apanhar uma bebedeira, meter todas as drogas possíveis e imaginárias, e se possível, foder para garantir que ainda sentimos alguma coisa, nem que seja com os estranhos com quem se cruzaram na rua ainda essa mesma semana, e cuja cara esqueceram em dois segundos. Sociedade-memória-de-peixe.
Faz um maravilhoso dia de sol de Inverno; o ar é frio e na verdade, preferia estar na cama. "Preferia estar na cama": pensamento recorrente que tenho todas as manhãs da minha vida, desde que me lembro de ser gente.
Mas não. Estou aqui, na Praça dos Restauradores, andando para cima e para baixo, como toda a gente; com um objectivo, como toda a gente.
De repente, dá-se uma cena surrealista: a Praça dos Restauradores começa a balançar, como uma cortina ao vento. E essa cortina, um gigantesco papel de cenário, cai. As pessoas, para cima e para baixo, saem do monumental palco e desaparecem. Eram apenas figurantes...
Deu-se um fast forward de pelo menos quatro anos de duração, e agora vejo-me dentro de um carro, entrando numa circular auto-estrada, onde todos os carros ao meu redor têm matrículas espanholas. Foda-se, todas as pessoas à minha volta têm matrículas espanholas na testa...
Estou a ouvir Smashing Pumpkins no auto-rádio, e vejo o Francisco num outro carro, mais à frente. Acelero e faço-lhe sinais de luz. É uma forma de dizer que o verei outra vez dentro de nove horas.
Tomo a saída seguinte e vou para a minha Zona Industrial de Alfragide, o meu inferno pessoal. Posso não escrever muito no trabalho; posso até nem perceber muito de camiões e da Lei da Oferta e da Procura aplicada ao mundo dos transportes terrestres; no entanto, a minha cultura aumentou imenso graças ao tempo passado na Wikipedia. Mais um dia em que o Francisco e eu vamos fazer um concurso de procuras surrealistas na Internet. Mais um dia em que vamos provar um ao outro que as médias têm uma margem de erro insuportável, como aquela que diz que cada mulher tem um testículo, em média.
O tempo passa, e é bom que passe depressa, porque assim chego a casa mais depressa e posso pôr-me diante do computador e escrever. Na pior das hipóteses, já escrevinhei algo no meu bloco, e poderei passá-lo tudo a limpo. Como uma boa jornalista, releio o que escrevi, corto, emendo, substituo, e congratulo-me relativamente com os resultados. E penso no que me apetecia escrever mais, desta vez naquele blog que tenho e que ninguém lê.
Mas falta-me o ingediente especial: o tempo. Aquele tempo que tenho de fazer para crescer enquanto ser humano e que, normalmente, me prende diante de um computador fazendo tudo menos criar.
E quanto mais depressa passam as horas de trabalho, mais me massacra pensar que são horas que não vou recuperar e reutilizar de uma forma construtiva. E que o tempo passa, mas que quando não quero que o tempo passe, ele continua a ir-se. Esgota-se o tempo de se criar uma voz, uma identidade, um espaço.
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