“Play it again, Sam” é uma expressão com vários significados, cuja origem provém do filme Casablanca. Também é o nome de uma editora de música, apropriadamente. Eu normalmente gosto de criar variações destas expressões emblemáticas/cinematográficas que toda a gente parece conhecer, porque normalmente quando as invento a partir de letras de músicas, ninguém me percebe.
E de música falando, dei comigo hoje a precisar desesperadamente de uma canção depressiva para embalar o meu regresso à escrita doméstica: estou a tentar fazer com que a relação com o meu diário tenha uma décima oportunidade, porque há certas coisas que o meu amante (o blog) não consegue compreender. Não sei, sempre fui mais de relações duradouras e discretas do que de paixões assolapadas e escaldantes. O.K., isto não é inteiramente verdade, mas mais vale um prato de sopa alentejana do que wasabi a queimar o esófago até mais não.
Acontece que eu, tal como a maior parte das pessoas que conheço, não tenho propriamente um directório de música deprimente ao qual recorro quando preciso de uma theme song (demasiados episódios da Ally Macbeal, que nem por isso aprecio – sou mais Lost e Alias, caso ainda não tenham percebido) e, portanto, estou lixada. Mais, não tenho paciência para fazer listas, nem quando tenho de ir ao supermercado. A minha agenda é o meu cérebro, e o facto de chegar atrasada a todo o lado não implica necessariamente que ela (a agenda) não funcione bem. O que não funciona bem é o facto de não usar relógio – errrm, ofertas de um Swatch novo aceitam-se.
Então, só para terminar este post perfeitamente absurdo (idiota, na verdade), e para encher mais chouriço, vou fazer uma top ten sujeito a alterações das canções deprimentes que me animam a alma.
Somewhere Not Here – Alpha
Roads – Portishead
Lover’s Spit – Broken Social Scene
Seaweed – Tindersticks
Parallel Lines – Kings of Convenience (ver post “Linhas Paralelas)
Where the Sidewalk Ends – Silent Poets
The Blower’s Daughter – Damien Rice
Sweet Home Under White Clouds – Michael J. Sheehy
Sparks - Röyksopp
Central Reservation – Beth Orton (a versão acústica)
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Não gosto de pensar que sou mais uma peça da engrenagem. A idade da razão faz-nos pensar assim, cada vez mais, e quanto mais o tempo passa. Todos os momentos entre o acordar e o despertar, fico no limbo a pensar que hoje vai ser o dia em que vou ser mais do que sou, e que vou sair do sistema, para me tornar autónoma, e não um autómato. E, claro, depois disso, recomeço a rotina, e isso passa para a lista de preocupações existenciais, para as quais tenho um espaço reservado na minha mente, aberto das 10.30h às 10.35h e da meia-noite até adormecer.
Gosto de pensar em mim como uma beleza clássica, mas subtil e discreta. As pessoas normalmente não dão pela minha presença até eu abrir a boca. Contudo, não é na minha voz ou naquilo que eu digo que reparam: o que realmente lhes chama a atenção é a marca que eu tenho na minha face esquerda, um risco que vai quase desde a minha orelha até ao fim da bochecha. Tenho o cabelo comprido, de propósito para tentar esconder isso, mas na verdade, já nem sei se tenho muito interesse em fazê-lo. Portanto, por muito que goste de pensar em mim como uma beleza clássica, subtil e discreta, o facto é que, aparentemente, sou anti-clássica por causa dessa cicatriz. Aconteceu um dia, quando eu tinha 14 anos, a andar de bicicleta. Caí mesmo por cima de uma pedra aguçada, num caminho de cabras de uma falésia. Havia sangue e o som do mar. Ainda hoje, quando vejo alguém sangrar, ou quando me corto, tenho a sensação de que o sangue flui como as ondas do mar, e oiço aquele barulho de praia.
Também gosto de pensar que essa marca tão característica que tenho na cara não me define, mas é apenas um pensamento. E se, ao princípio, achei que isso me desfiguraria, enganei-me. Os homens vêm ter comigo à mesma, independentemente da cicatriz. De facto, dou comigo a causar furor em festas e discotecas por causa disso. Os homens pensam que eu sou interessante e acham que o contraste entre uma beleza clássica e aquele corte maligno me torna especial. Não que algum dos homens na minha vida me tenha pedido em casamento, ou tenha procurado muito mais do que saber o que é estar com uma mulher marcada... Mas eu tenho culpa nisso, é verdade. Não acredito que me consiga prender assim tão facilmente. A maior parte dos homens que eu conheço são burros e imaturos. E os que realmente me interessam não estão à procura de um compromisso. Enfim...
Sou assistente na faculdade de Letras e dou aulas de Literatura Comparada. Não consegui o trabalho por ser excepcionalmente dotada em literatura ou escrita, isso admito. Acho que o que aconteceu foi que, um dia, cheguei ao bar da faculdade, ainda no princípio do curso, sentei-me com umas amigas e, ao fim de umas imperiais, comecei a discursar que nem uma louca sobre Literatura Norte-Americana, e um professor ouviu. E deu-se o cliché habitual neste tipo de casos: a aluna envolve-se com o professor, mais velho, casado e pai de filhos. Suponho que ele me queria por perto, independentemente do resultado final da relação, que acabou quando eu estava a terminar o curso. Ainda alimentei a esperança de que ele deixasse a família, mas... não, não alimentei essa esperança. No fundo, acho que também joguei as minhas cartas, a pensar mais no que me convinha, do que naquilo que estava a sentir. Os primeiros tempos foram sinceros, mas depois... Foi ele que me falou na sensação de estar com uma mulher com uma cicatriz na cara, e faço das palavras dele minhas, quando falo sobre isso. Que ter uma relação com um professor de Letras tenha, ao menos, essa mais valia: as suas palavras são mais exactas e belas a descrever coisas que nos assustam ou enojam. E assim, nos dias que correm, partilhamos um gabinete e memórias das quais não nos orgulhamos particularmente. Pelo menos, eu.